quinta-feira, maio 31, 2007

Cartum

Alguém consegue isso???

By Pablo Montevideu

terça-feira, maio 29, 2007

estórias

Era um menino; é o que se pode desenvolver, desde sua nascente até a desembocada fical, num outro mar qualquer. O menino sempre fora desde sempre, alguém, um ninguém, em tua humilde visão desconexa do mundo. Passara dias, todos eles, perguntando para si, sobre si, noutro de si mesmo, questões sobre as questões, quais estas sequer ele tinha conhecimento ou consciência do que perguntara, a teu reflexo do espelho.

Filho de pai e mãe vivos, durante toda infância e assim por longo tempo da vida jovem e depois adulta. Tinha tamanha memória, pois, era um ultraje lembrar dos momentos mais longíquos quando ainda era amamentado. Verdade, ele podia lembrar do tempo que mamava em sua mãe, teu leite, teu pedaço da herança materna, que o tinha por direito universal; mamou assim por anos, um recordista.

Enredado em berço de aço, sempre assim, cuidadosamente protegido das mazelas de todo um mundo desconhecido, cresceu, envidrado, bem afastado das temíveis coisas, inexistentes em sua realidade solitária. Passava-se os dias em brincadeiras por demais estranhas, dum tempo que não presente estava nos livros de crianças, cantigas e memórias de avós ou recordações de fotografias em preto e branco. Tinha sim, alguns amigos, moravam do lado seu, apenas separados por um muro d`palmo de distância. A noite, parecia ser todos eles, irmãos. O menino tivera uma só - irmã menor, mas era como os amigos fossem também. Aquele muro era apenas um teco de bolo, cuja massa fina dissolvia - não era importante.

Tivera pai e mãe em toda vida de menino. Presente estavam, a mãe, cuidadosa, zelosa, educadora, rígida pouco, brincalhona, despojada. Pai afastado, estranho, autoritário, arrogante, costumeiro de impor padrões, permanentes, duros como rocha velha, nem o vento ou a chuva podem rachar. Havia um medo em toda casa, uma prisão sem grades - isso soa um clichê gramático barato, mas assim foi-se realmente.

Além do mais, não viu coisa boa, viu-se sim, brigas dentro e fora, discussões marcantes, casa toda quebrada, igual tua alma, traumas. Talvez por isso seja, já na posterioridade da idade, um Alguém amargo, frio, contudo sensível, fora do social, sente-se doutro lado do mundo, na faixa de uma divisa de humanidade e não humanidade.

Sinal disto é sua incompreensão, imensidade duvidosa, desintonias, fingiu, não viveu, ser o que não foi, é, durante tempos - aprendeu sozinho na virtualidade, quem é, através da desfragmentação de si, libertação de todos os teus bichos, dele, como num zoológico com portões escancarados e as feras aos urros e berros se esvaindo pelas cidades, campos, animalescos, donas dos mundos deles - irracionais.

Irracional foi-te durante a menenince, comparada agora como numa noutra dimensão. Para o "não mais menino" - a infância não pertence a vida adulta - o passado que passara e continua passando permanentemente é extra dimensional. E não acaba jamais o desassossego.

Pablo Montevideu

domingo, maio 27, 2007

estórias

Não sabe-se não, quando adentrou, caiu na vida. Cair todos estão caindo. Por aí, todo lado, alguém cai mas se levanta. Caiu na vida é expressão antiga, que minha mãe, a mãe dela, deveria falar daquela vizinha formosa que passara pela rua perfumada no orvalho, de atitude suspeita, que as carolas espreitadas sob vossas janelas curtem manhãs, tardes e noites.

Mulher dessas, deveria casar-se, falam uns que não deseja um marido, fugida do último, escolhido por pai e família, num arranjo de compadres. Basta, é coisa passada, não tem mais sentido nesse século novo. Tá explicado, vem tudo das bandas do interior, dos caipiras.

Mulher, que caiu na vida, caiu na cidade, na rede de tantos outros do que além de mim. O que não posso explicar, razão deste desabafo, não costumeiro, não é nada pessoal, mas que fazer se travado sempre fui, culpa esta de minha peculiar criação, dos mimos, dos cercos que me acarretou, todos, mas custo a falar; é preciso dizer, estou fazendo força demasiada a não desistir.

Falava anteriormente, porque causa, ela não se esvaiu de minha cabeça. Fui, paguei, ela fez o que fora combinado. Agora, aquilo tudo pra ela, serviço, paga quem quer, ela faz, sem encantos - não via nos teus olhos dela, nenhum chamariz de prazer, de gosto, uma alma vaga, de absurda inexistência. Perdi dinheiro, queria prazer, acho que além do mais, queria mais.

O que vi, nessa rapariga - nem sei porque chamá-la assim, fruto de conversas com o português recém chegado na firma. Odeio a rotina de lá, digo do trabalho, e disto foi todo o começo dessa história minha. Ausência de algo, uma repetição sensata das coisas, segurança, equilíbrio, sempre foi assim. Foi disto que me levou, andar por cantos da cidade, cruzando dentre os mais pobres, excluídos, gente como eu, mas suja, não de alma, nem moral, suja mesmo, encardida, por falta de esmero, nosso, da péssima precária vida. Andei por lugares, mamãe jamais pensaria nisto - se viva estivesse. Enquanto andava pensava nela, o que faria se me visse num reduto de tal categoria. Baixíssima, de gente como ela, minha mãe, mãe também é gente, mas maltrapilhos, drogados, prostitutas de todo canto desse país. Ela não poderia pensar, naquele derradeiro da minha vida, cansei-me de todo equilíbrio vivido, por descobrimento, da minha falta de escrúpulos, num algum dado momento. Trocaria a boa conduta, por lugares tão cheio de calafrios.

A noite seria terminada numa cama velha com pulgas de um qualquer quarto de espelunca velha e barata daqueles fundos da metrópole, escondidos atrás de gigantes placas de anúncios, propositalmente distribuídos à ofuscar todo lixo produzido pela humana raça.

Foi-se, assim, mesmo, como eu disse. Terminou, de novo, não consegui livrar-me dos fantasmas. Todos eles, de caras e bocas familiares ou não.

Pablo Montevideu

terça-feira, maio 22, 2007

Tiras idiotas - Os Modernéticos


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Tiras idiotas - Os Modernéticos



Os modernéticos, não servem para nada. São inúteis, burocratas.

Tiras idiotas - Os Modernéticos


Tiras idiotas, mal feitas, psicografadas de imediato.
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sábado, maio 19, 2007

insônias


Admirar, é preciso para se viver bem. Coisa essa que me falta, tem faltado, admiração pela espécie humana, pelo alheio, pela vizinha, pelas faces em turbilhão. Levo muito tempo para me afeiçoar, e quase nenhum minuto para desgraçar tudo. Quero dizer, demoro a gostar, tão rápido eu "desgosto". Eu adoro conjugá-lo.
A falta de admiração humana deve ser culpa minha, ao atingir esse grau de exigência. Uma qualificação burra, ridícula, solitária, mas minha, só minha.
Uma das minhas funções na vida, eu acho, eu acredito, é talvez, romper com alguma coisa - paradigma de algo. Porque não ser justamente o paradigma da vida social e "positiva" pregada aos montes, por muitos, legiões de boa fé e vontade, de seres humanos tão especiais. Quanta falsidade.
E pensar que o amor, foi apenas condição, ou termo, forma qualquer utilizada para transpor um sentido diferenciável perante todas as outras formas de vida irracionais da superfície. Esse amor nos fez, nos criou, feito cobras dóceis que atacam no escuro.
Outra faceta, ou função, penso eu ter, é de fingimento. Uma encenação do real, a todo instante. Um pensar famigerado, de criações e miscelânias, não se distituindo do que é a minha vida real, virtual, marginal. O que pode ser estória, causo, conto, nostalgia, memória, experiência.
Nesse fardo, vivo, respiro, carrego nos ombros peso do mundo, sabe-se lá quando fui sentenciado. As chagas eu sinto, as dores na nuca, a cabeça pesa - hiper-tensão. O sangue escorre do nariz, do esperma, das lágrimas. Um AVC futurístico, expressionista.
- Vou morrer doutor??
- Assine aqui por favor, e retire guia do convênio com minha secretária.

Pablo Montevideu

terça-feira, maio 15, 2007

estórias

Desde sempre foi diferente. Nunca entendeu a dinâmica das coisas, o porquê ir e vir, acordar, fazer, descer e subir. Queria que algo mudasse, rotina sistemática não agradava. Era desinteressante percorrer a mesma trilha, desgastante, chega a rasgar o chão de pedra.

Observa, anota tudo num caderno, ali tem os segredos do que vivenciou. Características comportamentais, padrões, modos, estilos. Chegou a tanto, ao cúmulo de contar quantas vezes olhavam-se ao espelho. A razão em tudo, percebeu, era o dinheiro.

Saiu-se, assim, pelos cantos, roubando todo dinheiro possível e imaginável. Nada comprava, nada gastava, nada se dava. Difícil entender lógica desse tipo, quem tem, quer gastar, mas não desejar acabar. O dinheiro é papel como outro qualquer, mas tem alma de felicidade, cheiro de alegria, compra-se sonhos, desejos, amor.

A jornada era grande, então sequer dormia, sonhava acordado com notas e moedas. Não era poder, era algo mais, inexplicável. Percorreria todo lugar que tivesse nas vistas, um carro forte, um cifrão, um porquinho de moedas - que desilusão.

O homem diferente, parecia ser um ancião, mesmo nas fraudas, um messias, torna-se-ia um ladrão? Rouba de ricos e pobres, de crianças aos velhos.

No decorrer, mal conseguia andar, carregar o fardo trilhonário nas costas. Ainda queria mais, como consegue respirar tamanha ganância. É um coitado, infeliz, desgraçado, pelo próprio horror, ambição, maldito seja.

Doente, enfermo, vagarosamente caminhou carregando seu vasto lucro até o cume da montanha. Queria ele, o mesmo dissera, ter conseguido todo dinheiro do mundo. Queria ele, o mesmo falara, roubar nota por nota, de cada carteira, algibeira, conta bancária.

Enfim, abriu os sacos, as trouxas, foi assim despejando todos os milhões de bilhões saqueados, ali mesmo, dentre o cume - cuspia-se fogo das entranhas, fogo ardente do inferno, queimava tudo, o dinheiro e o homem. A multidão chorava, em pânico - queimando nosso dinheiro, nossa vida, nossa riqueza de eras...é um lunático!

O louco, aquele que não entendia o fluxo da vida, desejou limpar do mundo toda sujeira, toda repugnância. Queria ele sim roubar o mal que se cometia. Queria ele, deixar o mundo pobre. Sem dinheiro, contudo vivo.


Pablo Montevideu

quinta-feira, maio 10, 2007

estórias, insônias e letargias

Fico pensando pra lá do futuro, muito além de nós - gente de pele e osso, que pensa, que fala, age e vive. Fico pensando quando tudo isso não existir mais - o que serão as cidades?

Porque o homem com sua razão nos levou a todo fim. Ainda se fala da consciência, mas quem nega o seu próprio luxo, pelo mundo, pela existência ou futuro?

Chega de perguntas, não tenho como responder, pelo fato simples de estar intrincado nesse marasmo coletivo. Nem sou santo, pra defender os fortes e fracos, defesa pessoal jamais foi meu interesse, sou culpado tanto quanto vós.

Então pensei no que deixaremos para natureza arruinar pós nosso suspiro final, deitaremos em terra quente, pra nunca mais respirar. As cidades, meu ponto inicial. Imagino este planeta azul de continentes devastados num silêncio infernal. Veja só de Nova Iorque à São Paulo, térridas barulhentas, esqueléticas verticais com suas pontes, arranha-céus, viadutos transversais, curvas e retas de concreto duro que o tempo se encarregará de enterrar. E nas avenidas solitárias carros pairados séculos antes, inutilizados pela escassez de energia, culpado pelo qual, causa maior da fome e miséria.

Fileiras de carros, de marcas e modelos diversos apodrecendo, o ego ali depositado, o imaginário social, campanhas publicitárias, modelos internacionais, conceitos de vida, desejos, sonhos, filas - retas e silenciosas. Não há uma alma em toda vã filosofia para buzinar nessa terra sem gente, sem crente, sem alma.

Os apartamentos e janelas abertas, deixam o pó do fim do mundo contemporâneo entrar - alguém um milhão de anos antes esquecera a TV ligada, e não se sabe como ainda funciona - talvez a base de energia nuclear infinita que se refaz - a mesma que irradiou acidentalmente matando falanges humanas.

Cidades, vilas, estados, países, continentes, blocos políticos e comerciais, associações, siglas, redes, organizações, espaços projetados real e virtual, caberiam mil encarnações - tudo ficou, não levamos nada ao caixão. Imagino o planeta se reestruturando, oxigênio a vida recomeçando dos mares, dos anfíbios, répteis, dinossauros, e nossos esqueletos, uma espécie de pegadas e pinturas rupestres - mas não existirão arqueólogos ou geólogos para pesquisar - afinal, o que vem depois da humanidade é só carcaça.

Pablo Montevideu
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Todas as peças e ilustrações deste blog estão em - http://maulsoleu.multiply.com

sábado, maio 05, 2007

o autor



Na caverna permaneço dialogando retoricamente com minhas sombras, dando-lhes de forma presopopêicas vida qualificada. Nesse período recluso que migrei de forma onírica para Sibéria, atravessando as Tundras congeladas, coxilas cobertas por neve, chegando até Afeganistão, sendo possível, vejam só encontrei a jovem fotografada da National Geograph, de olhos profundos e mais sofrível e equidistante que pude observar em toda vida. Depois recebido na mansão cavernosa anti bombas de Bin laden, fizemos uma refeição - foi quando ele expos sua indignação aos infiéis capitalistas do ocidente.

Eu que estava me danando pra filosofia islâmica de Bibi - o Bin laden, somente queria discutir arte. Pois bem, ele é um dos últimos artistas da Land Art - da arte conceitual performática do Novo Milênio - afinal enfiou 2 aviões dos grandes em duas grandiosas torres que funcionavam como 2 pênis norte americanos, capando por assim dizer toda uma nação que acumulava semen em suas glandes e depois ficou toda gozada na cara, sentindo aquele odor de porra ingenuamente engolida.

Queria saber onde ele enfiaria o próximo avião, talvez, dei essa sugestão, um BOING nuclear no cu do mundo pra explodir merda e aforgar toda a humanidade em si mesma.

Bom retornei ao Novo Mundo na sua porção Austral para hibernar-me solitariamente a respeito da minha metamorphose ao contrário. Antes fora eu, uma persona multi-fragmentada em mundos e realidades distantes. Agora não mais.

Toda e qualquer vida e não vida, psíquica e fisiológica se misturou, como vitamina em liquidificador. Essa vida pastosa, aglutinada, é minha nova realidade. Todos se colidiram homogeaneamente.

Essa série de "estórias", não importa sua qualidade literária, nem função de trama, representam um estado de espírito. É como chegar ao fundo do poço e descobrir que nele está-se atolado não em lama, mas em merda mesmo. Grandes metáforas estou escrevendo hoje.

Sou um escrevedor, desenfreado, ignorante, descabido, influênciavel, sincero, totalmente sabedor de limitações, de fraquezas e que simplesmente não tem função qualquer na superfície terrestre. Resta-me escrever e duvidar, escrever e criticar, tudo a mim.

Por fim, não sei quando irei terminar essa coletânea inútil, aos que estão acompanhando, se não encontrarem algo melhor pra fazer, boa leitura. P. Montevideu

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Estórias
É ele, chegando em casa. Eu sempre digo que o melhor da vida é sair e chegar em casa. Tudo que precisamos é sair e quando estamos fora, queremos voltar. O importante é ter uma casa. Visão simplista de algo complexo como o viver. Mas o homem que falo é simplório por demais.
É desses que passa pela padaria e diz olá para todos. É um homem pacato na minha visão, na visão de qualquer um. Vive entre seu emprego de funcionário público e colecionador de borboletas que não vende por nenhum dinheiro.
Casou-se, mas separou-se, diz ele que a esposa era muito porca. Não tomava banho e nunca depilava a virilha. Desgostou quando a viu tomando sopa no jantar, dando aquela chupada na colher desprezível. Ele diz aos amigos, o pior da intimidade é dividir o banheiro e sentir o cheiro das fezes do companheiro. Depois dessa, largou a mulher, saiu de casa, hoje vive só nessa pensão desgramada de tão abafada. E quando tá em casa ouve rádio, na verdade, gravações antigas das rádios das décadas de 30 e 40, do tempo de Al Capone. Não se sabe como conseguiu isso. O fato é que despreza a imagem, os satélites, fica ouvindo notícia velha, locutores mortos, vozes chiadas pela pecaminosa transmissão, sua casa toda está no passado velho.
Saudosista ele? Quem não é? Quem não lembra nostalgicamente do passado e pensa em voltar, reviver, mesmo o mais modernético dos jovens, deve-se lembrar de minutos passados do tempo que tragam boas recordações. O futuro se faz desejando o passado.
P.Montevideu

quinta-feira, maio 03, 2007

estórias

Coloca o disco e começa o tango tocar, com todas suas curvas, algumas perigosas, outras atrevidas, descidas e subidas, nada é retilíneo, austéro, sempre curvo, irregular. Pode ser isto que lhe chama atenção, faz com que a nostalgia de outrora brote em sua mente.

No deslizar do cello acompanhado do acordeon, imagens surgidas de uma fenda no tempo, repousam em banho-maria no seu presente dele, teus olhos brilharem, é algum tipo de mágia, eu pergunto, ele pensa na minha pergunta.

A imagem que o acompanha inexplicavelmente, de uma sala de estar, com a televisão ligada, luzes apagadas, toda casa numa penumbra, do quarto corre a brisa lenta e sedutora, quem avisa sua chegada são as cortinas. Pelo chão roupas deixadas ao destino, alguma coisa deve ter sido interrompido, devo dizer, outra coisa melhor começou, fruto do amor, da paixão, mesmo que sejam iguais, naquele instante eram uma coisa só. Se é que se pode chamar isso de coisa, tão sublime, não é frescura de escrevedor, eu juro.

Da cama tem-se a vista da janela, direto para rua detrás. Pode ser a rua da frente, independe do referencial, e tudo isso observado pela lua, flutuante na madrugada de nuvens daltônicas, se movimentam feito o tango que discorre a fotografia futura que esta noite vai ser revelada em preto e branco para todo sempre.

O disco acaba, a música se cala.

P.Montevideu

quarta-feira, maio 02, 2007

estórias

Ler é o remédio. Quem nasce cego, sem nunca ver, quando sonha, sonha com o quê?

Era pras bandas de Lá, havia um homem nascido sem os olhos. Para esconder-se usava um óculos escuro ganhado de um gringo que havia sentido pena do coitado. Chegou-me a notícia que o cego de nascença passava os dias perambulando pra Lá e pra Cá. Quer dizer, sempre Lá, já que Cá nunca estivera, se assim estivesse eu saberia. O homem contava sonhos, foi aí me indaguei.

- Como esse sujeito nascido sem visão pode sonhar se nunca viu o Sol, a Lua, as cores, as águas correntes do Rio, a terra rachada, o gado pastando, a lata d´agua?????????? Ninguém respondeu de fato, Cá, direi a vocês, aqui ninguém gosta de sujeito perguntador, de preguiça mesmo.

Fui-me embora pra Lá, queria ver com meus ouvidos o contador de sonhos, o homem que jamais enxergou e perguntar, essa resposta. Cruzei dois dias e duas noites de trem, até chegar Lá. Logo perguntei a um rapaz vestido de guia, pedindo miúdos para uma ajuda. Só queria saber donde vivia o homem cego - Lá atrás senhor. Pensei de novo, Cá com meus botões - todos nessa vida estão num lado ou é Lá ou é Cá.

A tarde se fugia pro oeste bem devagarinho, o Sol teimava em brigar com a noite. O cheiro do café queimava o ar, tomei um gole e fui falar com o tal. Na minha terra a gente chega perguntando, mas nesse caso do homem cego, me apresentei - sou de Lá, e vim Cá pra te perguntar uma coisa, sou sujeito sério, pensante e pensador, meu nome é ...

Ele me interrompeu, dizendo que nome pra ele pouco importava e me foi falando - Aqui não é Lá nem Cá, aqui é o agora, e a gente responde o que te amola, me fale tua dúvida. Então perguntei, com tamanha curiosidade, como pode ele contar sonhos já que nunca enxergou, se é cego desde que nasceu, quando dorme fica tudo mais escuro, não tem repertório. É como moço pianista surdo de nascença, não poderá jamais saber o que o Dó e o Ré tem que o Si não tem.

O sujeito olhando à esmo, com voz de mestre de repente me falou - eu canto os sonhos e quem lhe falou que pra sonhar é preciso adormecer? Destes aí eu não tenho mais, repliquei ao homem e foi que ele terminou a conversa. Sinto dizer, você é mais cego do que eu.

P.Montevideu