Sujeitinho em desassossego, se esvaziava aos poucos, parecia vomitar palavra por palavra toda enfermidade do mundo, de todas as Eras do homem sapiens, pouco a pouco. A dimensão disso tudo é contrastante. Feito o homem da padaria, que morrera, de infarto, carregado durante anos de tensão, com os filhos problemáticos, mas altas taxas de gordura e nicotina, entupiu-lhe as veias e um belo dia, digo, mal dia, bateu com a caçuleta. A viúva tratou logo de se agregar com entregador de pizzas, dez anos mais jovem e fugida zarpou na vida. Ah, o homem de qual falava, esse é o contrário de um tudo.
Enquanto uns morrem enfastigados, este traste, prestes vai a morrer de vazio. Já não tem mais ar que o comprima, estado de graças, flutua feito astronauta perdido, parece um zanzazão maluco, gravidade nenhuma prende-o em terra. Mas quem enganas - a mim não. A mim teus olhos não são opacos.
De tanto vazio, tem alguma razão de haver. Seja pela decepção com o viver, pela ignorância das pessoas perante-o, sejam por infelicidades quaisquer. De modo faz todos pensarem, nesse tal de infarto, é culpa do mal hábito ou do mal vivido?
E doi forte no braço, dor sobe pro coração, diz quem sobrevive, nunca sabe ao certo, se sai do coração e cai nas pernas - fulminante. É dessa moléstia, uns passam pelo tal coma. Já vi em filme, sujeito entre a vida e a morte, num corredor de luz, algo puxando pra beira de lá mortos - enquanto doutores repuxam o vitimado à base de eletro-choques no peito. O "des-morto" vai que num vai, feito elástico, mas o céu pode menos que a UTI? Não sabe-se, não mesmo.
É fato, de novo, o esvaziado de vida, andava por cima duma ladeirona de pedras, quando sentiu a "não dor", coisa esquisita. Sentia o que ninguém sente, uma "desdor" danada. Caiu rolando pedras abaixo. Morto.
Levado para examinar, abriram nele do peito abaixo um corte, foi que por surpresa de toda medicina, nada havia. O homem estava seco por dentro, nem sangue, nem órgãos, nem veias, nem nada; nada mesmo, nem sonhos.
Era um escuro só.
Pablo Montevideu
Um comentário:
Adoro a maneira que escreve, é muito agradavel. Parabéns!!!!
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