quinta-feira, dezembro 28, 2006

Um conto do Império das Causas Perdidas


Tava na cara. Que o dia seria o diabo. Todos os dias, de sempre e sempre, ao acordar eu molho o rosto, limpo o nariz, faço xixi. Logo depois escovo os dentes, gargarejo o anti-séptico, passo fio dental. Depois de tudo isso, desvazio o intestino, se é que me entendem.
Então, ligo o chuveiro, no morno, porque o quente não funciona mais e o frio, logo pela manhã, não dá mesmo. Tomo um banho de exatos 7 minutos, limpo e lavo bem todas as entranhas externas do corpo, meio dos dedos, dobras do joelho, suvaco, e bem, etc.
Depois de tudo isso, preparo meu café, torradas na torradeira, manteiga no prato, café com leite instantaneo. Começo a ler o jornal, ligo a TV, o rádio na cozinha, pego os sapatos, aperto a gravata. Como tudo e finalmente depois de procurar uns 2 minutinhos as chaves do carro, saio de casa.
Só que nesse dia, nada foi assim. Eu acordei e não fui molhar o rosto. Tive de sair correndo para a privada, porque meus intestinos acordaram antes que eu. No caminho escorreguei na porra do tapete na entrada da suite e levei um capote. Junto ao capote liberei as tripas e como se fala aos bebês "fiz cocô nas calças". Melhor dizendo na cueca, justo um modelo box novinho em folha. Que merda, literalmente.
Com o cheiro de bosta pelo quarto, tive de tomar banho, limpar o chão acabei me atrasando. Nada de escovar dentes, faço isso depois na empresa. Suado, com um banho desgraçado, vou tomar ao menos um café. Quando ligo a cafeteira, ela explode, apaga todas as luzes. Um curto justo agora. Que seja, sem café mesmo. vou tomar água com uma maça. Mas cadê a maça, não fiz feira ontem. E porquê não fiz feira, deixa me lembrar. Ah que se dane.
Então coloco a camisa por dentro das calças, de qualquer jeito e chego até a garagem. E quando percebo que estou preso em casa. O curto ferrou a eletricidade, o portão elétrico é inutil sem eletricidade. Maldita hora que coloquei essa joça, maldito quem inventou isso, alias maldito o descobridor da eletricidade. E agora, como vou sair, hoje tenho reunião. Sou advogado, de uma porra de empresa de seguros, e tem uma causa importante no forum. Muita calma, vamos pensar. Vamos, quem, sou eu e mais quem, afina. Porque esse plural seu otário?
Tudo isso por culpa de um piriri na hora de acordar. Droga deve ter sido a bebedeira de ontem. E eu pensei em voltar cedo pra casa, sabia que não daria certo. Porra, pensei, lembro bem que eu pensei justo assim - se eu começar a misturar bebidas e essas comidas mexicanas, maldita festa mexicana, amanhã terei uma bela dor de barriga e vou me ferrar logo de manhã. Sim eu pensei, eu previ tudo isso. Sou um profeta.
Sim, sou um predestinado. Isso tudo aconteceu, mas noutra realidade. Ainda bem que sou um predestinado e posso visitar essa realidade e voltar para essa daqui. Nessa daqui eu não bebi nada, deixei a festa antes das 22 horas, cheguei em casa sóbrio antes da meia noite. Tomei um banho, uma sopinha light e dormi escutando New Age no meu Ipod. E acordei muito bem.
Imagem - Os gêmeos (hidrográficas, colagens e digitalização). Um conto "warm up" para o Império das Causas Perdidas, que pela benção de Neil Gaiman, Moore, Elis e Eisner, sai em 2007. Agora sumam.

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