quinta-feira, dezembro 13, 2007

Ensaios Históricos - Camille - o fim.



Passaram-se 30 anos, por Deus meu caro Renard. Estivemos tentando vê-la esses anos todos, contudo, apenas os gritos solitários nos alcançou. Realmente não entendo o abandono que a família Claudel impós a ela. Ainda se teme o peso da sociedade - é sempre isso, o sangue, o maldito nome herdado, que se preza mais que a vida. Deixaram-na entre paredes frias e mudas, ela conversando com sua sombra, sem trabalhar, sem viver.

Rodin é um pobre diabo que finge ser social, mas todos sabem que existe naquele maldito asilo - aprisionado um pesadelo, somente dele, que lhe rasga a alma, de remorsos doloridos. Eu bem sei, que ele evita passar diante do estúdio, onde ela superou o mestre e abriu portas para outras que virão ainda neste século.

E tudo que ela sempre quis foi deitar-se diante do muro frio de Rodin, jamais derrubá-lo. Ela amava aquele concreto, e não trouxe consigo exércitos para transpor. Ela simplesmente se ajoelhou, recostou sua cabeça na pedra gélida, mas ainda assim, foi abandonada. Ela se arrasou...

E arrasados somos pela covardia nazista devastando tudo, nossas defesas mentais já amargam uma derrota - qual sentido devemos tomar daqui por diante? Me lembro meu caro, da época da razão, atravessamos muitas décadas, pra chegar até a destruição em massa - ser feliz é indigno e ultrajante. E ser artista é uma infantilidade. Quem deseja ver Monalisa no Louvre - somente os nazzi, a mando do Diabo. Eles querem levar toda renascença e fazer uma nova Roma, esquecem que lá no asilo dos loucos - alguém grita em prantos todo o amor para as sombras. Não somos melhores por nossa Resistência em Paris, nas trincheiras pra resguardar nossas avenidas.

Enquanto as bombas caem - ela morre desconhecida e sem valor algum. A arte nesse presente momento é ineficaz e sua existência morreu, junto as milhares de cabeças que apodrecem nos campos europeus. E Camille precedeu esse capítulo já em 1906, quando surtou-se contra si mesma, ou seja, todas suas criações pagãs, suas estátuas, belíssimas, de curvas verdadeiras, muito mais que o calor e o arrepiar da pele. Ela destruiu tudo, porque pressentia isso. Não precisamos mais de galerias e museus, nem de quadros ou esculturas. Sobraram apenas escombros, estamos entre eles - Camille foi enterrada hoje amigo Renard 1943 - os alemães continuam bombardeando nossas cabeças, mas puseram-na numa vala bem funda, porque ninguém sabia quem era aquela franzina e decandente "jovem velha jovem". Abandonada pelo amor dos homens e do ventre.

Carta imaginária de Mallarmé para Jules Renard

Nota - Eu termino essa insolente tentativa ensaísta, com remorsos pessoais que se confudem com Camille e sua vida atribulada que hoje nos dá passagem para viver também o sofrimento. Infelizmente nossa contemporaneidade encontrou uma vazão para os infortúnios da alma, na alienação dos sentimentos. Antes era a razão que se opunha à existência plena da felicidade e da melancolia - agora é o consumismo do Carpe diem.

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