quinta-feira, dezembro 06, 2007

Ensaios Históricos - Kafka por Felice Bauer



Teus medos não foram os meus. Jamais entendi o temor que lhe afringia em relação a vida conjugal. Teus escritos denunciam uma amargura, um conformismo exato, nem mesmo a metamorfose pode derrubar as muralhas da letargia que li denunciadas em contos que escrevestes. E tuas cartas - sempre uma fuga da realidade para viver o inexistente solitariamente.

Talvez seja por isso, jamais, você nunca antes se atreveu a conceder e dar-me seu cotidiano. Kafka para mim já me foi um ser egoísta, outras vezes, um covarde. Mas isso, foram significados em momentos de raiva e desgostos, pequenos fragmentos derradeiros que nenhuma mulher pode controlar. Logo recuperei a serenidade para depois lhe entender.

Dessa sua necessidade de solidão, que levou teus personagens a jamais lutar contra qualquer situação equivocada, um realismo literário de pouca estima - deixa a impressão que o mundo é imutável - é portanto uma incoerência com seu principal título - A Metamorfose. Não precisou dizer-me que Gregor era seu alter ego em relação a seu pai e muitas vezes pude me ver na pele de outros personagens que criastes para se auto biografar em terceira pessoa, vazando assim sua personalidade atormentada.

Minha condição de mulher relutou contra muito disso. Passamos a vida, entre cartas, e não pude lhe conhecer na indócil presença da rotina. Não tivera eu, chance nenhuma, de viver entre paredes de um lar, assim, desculpe-me, você matou meus sonhos; coisas simplórias, pra tantos homens célebres, mas que para mulheres, mesmo as imponentes e intelectuais ainda se faz tão necessário. Elas até podem esconder, como fizera eu mesma, camuflar na pele do dia a dia, no lirismo da noite, mas todas desejam a sensação do bem estar de um lar doce lar.

Felice Bauer em carta ficcional à Kafka

Um comentário:

Stefano disse...

Muito bom o post.

Esse negócio de blog é meio estranho, as vezes um comentário em algum outro blog, atrai uma pessoa que não imaginamos que exista. Vi um comentário teu no blog do Fernando Meireles — que é um blog muito bom por sinal. Entrei porque me interessei pelo título, eu acho. hehe
Até!