quarta-feira, julho 04, 2007

Estórias

Isso foi pra bem de lá. Tudo aqui é duro, é concreto cinza, mas o concreto também curva-se pra lá e pra cá. E desses cantos, muitas vezes servem de moradia a uns excluídos ou por azar, ou falta de competência. Estranho esse pensar, não seria um destino e conclusão doutro? Deixo-me filosofar noutra oportunidade. Pois, o que deve ser contado, é aquilo que Zé Galopeiro não fizera.

Homem da rua, a rua é sua vida, não tem outra, desconhece novidades, mas pense bem, a vida nas calçadas e praças, dia e noite sem parar é demais por movimentada. Pode não ser sofisticado, mas marasmo não se tem. Essa é minha opinião, vai saber o que o Zé pensa. Mas quem conhece apenas uma realidade, não pensa noutra não. O Zé carrega consigo, uma carroça velha de madeira que vive emperrando em subida e desce a toda nas ladeiras, o que causa acidentes. Em sua traseira seus fiéis filhos, quatro vira-latas, cuidadosamente alimentados por ele. Nessa carroça carrega o lixo que não é lixo. Aquilo que lhe sustenta com o pouco, que a sociedade lhe dá. Ora, a quem a sociedade deve, senão à si própria. Mesmo nas adversidades, comida não falta aos vira-latas, nem que pra isso aperte-se a fome.

Em sua idas e vindas, dentre avenidas e alamedas, conheceu os cem Sóis, daqueles do meio dia às seis da tarde. Sujeito como ele, vindo do interior, ainda ao passar por qualquer igreja faz o nome do pai, do filho e do espírito santo. De tanto andar esqueceu a oração, mas pensa em Deus e pra ele é o que vale. São tantos anos, perdera a privacidade ao dormir em praças com os cães. Sente-se um tanto animalesco, irracional. Se bem pensar, olhar, analisar, as barbas grisalhas e compridas, o rosto preto queimado do Sol, o mal cheiro, as unhas gastas de raspar o asfalto quente e os pés cortados nas botinas velhas, dá um aspecto selvagem, como fizera o caminho inverso da evolução - Involução.

E nesse safari de savanas solitárias dentre os milhões, de outros além, invisíveis a sua jornada, Zé esquecera, que um dia fora humano, dono de rotina, família, mas que de agora por diante, tens única missão de alimentar os cães. O que ele não fizera, foi algo prometido ainda criança, de rezar uma missa, pra sua mãe morta, promessa ao santo - que o tempo esqueceu e a bebida salientou.

E na noite de quarta passada, dentre fogos de artifícios estourados num canto qualquer das esquelotasas torres verticais de concreto, alguém saudara a felicidade, Zé enterrava solenemente a morte de um de teus filhos, dele, aos 20 anos morto - era um mestiço de labrador. Clamou a natureza, ele Zé Galopeiro, o porquê dos cães viverem tão menos que gente.

Pablo Montevideu
Notas-Ainda tenho em mim a letargia que me assola por meses. Fazem meses que minha produção se restringe a esses textos sem fundamentos. Estou de quarentena - entre planos de ilustrações das estórias, um curta metragem e outros textos que escrevo (monólogos). Essa estória acima, também é um fragmento de outr curta, que bem gostaria de terminar, sobre os mendigos de rua e as relaçoes deles com os cães - "O melhor amigo do homem de rua". Agora, porque descrevo aqui minha insatisfação comigo mesmo, com esse desânimo imprudente, que me engessou - talvez porque infelizmente aprendi a trabalhar sobre pressão. Ainda não sei, ser meu próprio algoz.

Um comentário:

Laura disse...

a pressão consome e dissolve o que há de nós em nós.


lispector? que grande elogio.