quarta-feira, novembro 05, 2008

Nas entrelinhas mondrianas morreu Monalisa; questões subjetivas, objetivas, diretas, compreensíveis ou não. Quem sabe?

Mondrian, o artísta maior do movimento Neoplástico das décadas de 10 e 20 tinha uma visão utópica da arte e sua praticidade. Vendo de hoje, quase centenário, o movimento que ele iniciou na Holanda através da Revista De Stijl (O Estilo) parece que suas postulações estavam certas, no que se refere a evolução humana, e ao mesmo tempo entraram em caminhos errôneos quando se observa o século passado numa plataforma futura. De um lado estava o artista, que participava de uma geração européia brilhante e completamente distinta do resto da humanidade. Viviam num continente, repleto de preconceitos e radicalismos, aliados à tradição milenar de impérios e o desenvolvimento industrial. Por outro lado, Mondrian como a maioria de seus contemporâneos morreu pouco antes ou depois do fim da segunda guerra, não tiveram tempo portanto de observar o fenômeno da sociedade de massa.
O ponto central mondriano quando a unidade visual plástica e a linguagem visual exaurida de qualquer individualidade e subjetividade seria o essencial para que forma e função se encontrassem, na visão dele o aspecto que levaria o humano a se compreender universalmente. Tal conceito é mais utópico que o socialismo puro de Marx, contudo Mondrian apostava numa visão de longíssimo prazo - mais do que ninguém ele sabia que o desenvolvimento ou o apuramento da visão humana diante da arte levaria séculos, como mencionara, não seria em poucos anos que se transformaria a humanidade. Algo que T. Van Doesburg desacreditava em seu manifesto sobre o Elementarismo, buscava a prática acima de tudo, tão logo fosse.

O processo neoplástico nascera da simplificação da pintura representacional, a tal ponto que eliminado todos os invasores pictóricos sobrando apenas as linhas retas e curvas. Do mesmo modo na Rússia, os irmãos Pevsner, Gabo, Lisstisky, entre outros desenvolviam o construtivismo obsecados pela eficiência das máquinas e sua precisão - tida como ideal humano, a arte construtiva em realizar a obra de arte objetiva. Os russos viviam a arte e a sociedade, arte como função na história, por assim dizer, transformadora sócio e histórica, fazia parte do processo revolucionário liderado por Lênin. Mondrian como os expressionistas alemães da "Brücke" vivenciavam tão somente de forma singular o mundo das formas, dos planos, da matemática da vida - quando simplesmente a história da arte reproduz os conceitos numa simplicidade que caiba numa frase de um texto como esse, fica um vácuo de entendimento - deixa-se passar algo inimaginável e talvez uma visão que apenas aqueles "homens gênios" exergavam. Eis a cisma da teoria e crítica da arte - jamais conseguiu aprofundar os preceitos, teoremas e visões artísticos diante nossa condição mortal e humana.

Esqueçamos os lamentos por uns instantes. Em outro aspecto, as postulações de Mondrian e outros neoplasticistas se tornaram complexas e não tiveram nenhum êxito, ao longo das décadas do século passado. Em determinadas áreas a velocidade do tempo se viu fisicamente. Na física e química, como consequência - a Tecnologia, o mundo girou muito rápido, a ponto de estarmos em constante avanço, e sermos atropelados pela velocidade das conquistas da informática e comunicação. No social e político, o comunismo foi praticamente afogado e o mundo escolheu para o futuro a chamada democracia capitalista da liberdade de ser e estar, mesmo que para isso, o mundo esteja calcado na alienação comercial e fútil. Mas na Arte não houve nenhum direcionamento e o panorama talvez esteja pior que na primeira metade do século XX quando mentes geniosas, do Ocidente europeu à Rússia, sem internet e celulares manteve uma extensa rede de intercâmbio cultural, idealista e produtivo. Foi o período mais rico e inimaginável que a mente humana alcançou; e jamais conseguiu repetir o exito.

É quase impossível na atualidade reviver a visão mondriana de arte porque simplesmente se rejeita o simplismo em favorecimento do exagero. É complexo mergulhar na obra neoplástica ou suprematista de Malevitch e compreender através da percepção dos artistas autores estes dogmas que eles nos deixaram. Torna-se incoerente saber que pretendiam ser objetivistas e sem nenhum caráter sensível ou individual. Entretanto a racionalização da obra artística tivera efeito inverso, no decorrer das décadas seguintes. Apesar da excessiva simplificação e do reducionismo que arte sofrera, tornou-se demasiadamente distante de qualquer compreensão individual. O que para Malevitch e seu "quadrado branco sobre fundo branco", era apenas isso, para o indivíduo de mente restrita é o absurdo da ineficiência ou da perda de tempo, portanto, uma antítese à idéia original. De fato, qualquer leigo compreende melhor a arte figurativa num quadro como a Monalisa de Da Vinci. Mas as telas suprematistas que indicaram a morte da pintura de quadro e deu início a construção no espaço, ou seja, a tela se torna o mundo; sendo incabível a essa escassez perceptiva e imagética que a humanidade se aprisionou.

Vivemos hoje um pobre momento da percepção humana e os avanços da tecnologia não se traduzem em avanços humanos quanto à sensibilidade e razão. O humano enfraqueceu sua criatividade e inventividade e como resultado, uma repetição do passado, uma ressônancia que venta todo instante nossa incapacidade de irmos além, de novas conquistas, que sejam imprevisíveis e construam novos modelos. E sobretudo que nos faça atingir o estado essencial para vivenciar definitivamente a linguagem neoplástica ou suprematista empiricamente. Gropius o genial diretor da Escola de Bauhaus, instituição lendária do design moderno que surgiu na Alemanha na década de 20 e 30 defendia que - arte não deve ser ensinada, tanto na questão de compreensão, quanto na criação. Ele desacreditava do ensino artístico como ferramenta para se desenvolver o "gosto" apurado e ampliar o entendimento da obra artística - por ventura rechaçou qualquer tentativa de desenvolver dentro da Bauhaus um modelo estilístico - o design moderno que ficou caracterizado a Bauhaus é contrário a idéia de Gropius, que buscava apenas produzir gráficos, desenhistas, com mínimo de talento, tornar habilidades inatas à serviço da Industrial Design que já estava a todo vapor se esparramando pelo mundo.

Gropius era um visionário arquiteto, genial como Mondrian, mas vislumbrava a praticidade, rejeitando a utopia, o delírio psicológico de um mundo perceptivo racional. Socialmente se preocupava com a facilitação da vida moderna, com a urbanização das cidades que sofriam mudanças bruscas desde o fim do século anterior com a crescente migração de pessoas das áreas rurais para trabalhar nas empresas e fábricas. Gropius pensava no transitar dessa gente pelas alamedas, assim projetava praças abertas para que as pessoas se locomovessem. Na construção de conjuntos habitacionais que ocupassem o menor espaço e fossem eficientes e limpos, pois já imaginava o que chamamos hoje de Poluição visual arquitetônica e deficit habitacional - é uma espécie de mentor das "COHAB´s" desses mundos subdesenvolvidos, das kitinetes e lofts luxuosos ou decaídos. E ele estava distante racionalização metafísica suprematista ou neoplástica, poderia dizer, bem mais perto dos construtivistas mas Gropius fez da praticidade a melhor ferramenta da introdução dos preceitos modernos das artes e suas expressões, não importasse a quem interessasse. Algo que evidentemente as correntes puramente artísticas do neoplástico, abstracionismo e concretismo não conseguiram.

A Bauhaus foi sucumbida pelo Nazismo, veio outras escolas e seguidores da forma e função. O design, a arte formativa e funcional desencadeou em nossa era digitalizada da mídia de massa, e continua dando frutos, através dos produtos que invadem o mercado (sígnos e semiótica). Pode-se dizer que os esforços daquelas mentes geniosas do passado não foram em vão, pois continuam vivos em prateleiras de lojas high-tech. Na ausência de uma sociedade mais viva a indústria absorveu o conhecimento como herança na pós modernidade. Como qualquer herança, é maldita, pois nutre na atualidade falsos ideais de liberdade e ação, na verdade, aprisionam grupos e segmentos da sociedade, incapazes de ver o lado exterior da coisa - se deixam levar pelo tempo, o ser e estar é mais importante que a transcêndencia. Benjamin previu o imediatismo do tempo presente. Os intelectuais de Frankfurt também. Alguns autores de literatura e filósofos seguiram a mesma trilha. Mais tarde a Pop Art nos anos 60 falara sarcasticamente sobre o homem e a fama, definitivamente encerrando os caminhos de vanguardas inventivas.

O cenário do passado, com suas inovações e o presente sem surpresas e genialidades, resplandece um vazio existencial (idéia bergsiana). A arte não se fez apenas com pinturas, há de existir sempre os teóricos responsáveis por construir ou repassar o pensamento que vem antes da realização (os ready-mades de Duchamp por exemplo). Pergunto: será que Duchamp buscava essa explicação pra sua obra interventora nos anos de guerra? Pergunta retórica, sem resposta. No passado os artistas como Van Gogh (não somente ele) viviam suas respectivas obras intensamente, eram artistas e teóricos, escreviam os manifestos, propagavam idéias, criavam e destruiam, tinham as ferramentes nas mãos, o drama na consciência. O vazio existencial no tempo presente está reverberando em gigantescas caixas acústicas. Ouvimos berros, são nossos próprios gritos, gritados anos atrás, mas parecem tão recentes que arrepia e nos causa calafrios, e nosso atraso perceptivo nos impediu de nos escutar. Nosso vazio é nossa própria incompreensão do simplismo objetivista e abstrato de Mondrian, Max Bill, Kandinsky, e quando ficamos ultrajados diante da afirmação que arte pode ser algebra. Mais comum do que se costuma pensar. E nos indagamos a respeito do pensamento comum -"onde entra a emoção afinal?" - indagação muitas vezes pérfida e autoritária, sequer percebemos a qual forma tratamos as emoções, tão arbitrariamente. Eles, os velhos pintores de linhas retas horizontais e verticais ou formas inorgânicas eram únicos por enxergar além; a emoção na simplicidade. Algo que o contemporâneo parece estar e assim desejar impedido.
E eu vou buscando perguntas, porque respostas não me interessam. Nas imagens duas telas de Mondrian.

10 comentários:

Anônimo disse...

Lindo post Mau
Lindo

Vou passar pra minha cia de teatro ler

Depois da vitoria do Obama, voltei pra Sampa e estou em plena crise!

elenco...nao sabem porra nenhuma

LOVE
G

Anônimo disse...

nada a ver mas, li e lembre do seu outro post:
"a dor, quando dói mesmo, é estéril. Ou seja, a dor no seu limite de tolerância não gera nenhum poema, nem obras plásticas, nem música. Sua única e fundamental expressão é o grito e depois, o silêncio. O silêncio diante daqueles que gritam."
Ferreira Gullar em entrevista p/ TV Cultura em 2004.

Um abraço
Nina

Maurício Fonseca disse...

GERALD, vc faz parte desse grupo de artistas tão raros que vivem o drama artístico, como Van Gogh, Beckett e outros viveram.

Obrigado vc tbm Nina - Gullar foi um dos mestres que me ensinaram didaticamente tudo sobre a Arte Contemporanea

Anônimo disse...

Mau,

e o que se faz com um vaso quebrado?

bom domingo

Nina

Maurício Fonseca disse...

não sei mais


pra que esse artigo esse blog nada tem valia

nada leva a nada

La Maya disse...

Salut!

Bom que gostou do novo espaço, agora que o Cena7 entrou em recesso... Gostei muito do seu texto. O mais interessante é que há algum tempo essa 'maneira Mondrian' de expressar-se, buscando a essência, tem me apontado um caminho interessante e cada vez mais necessário na arte, na vida, em questões pessoais, em tudo enfim: o caminho da desaceleração. Você escreveu: "Nosso vazio é nossa própria incompreensão do simplismo objetivista e abstrato de Mondrian". Como compreender o que é simples, como capturar a essência de tudo se milhões de estímulos visuais, auditivos, táteis, nos atravessam sem deixar espaço nem tempo pra que tudo seja digerido e gere mudanças significativas? Vazios acabamos ficando, sem saber qual foi o caminhão que nos atropelou. E segue-se vivendo. Sem qualidade, sem idéias férteis, sem novidades. Só repetição dos mesmos estímulos outra vez e outra vez e outra vez. É por isso que aposto numa desaceleração. Parar, observar, sentir, registrar, digerir, pensar, criticar e mudar. Isso é o que me parece necessário fazer agora. Em todas as áreas. E é nesta direção que minha arte vai seguir.

É, depois deste comentário, estou quase me matriculando num curso de crítica e história da arte...!

Beijos pra ti, lindo, apareça mais!

Maurício Fonseca disse...

desacelerar motores turbo envenenados

talvez abrir as cortinas que escondem o prazer dessa constante penumbra que se vive

Maurício Fonseca disse...

no proximo artigo talvez, haja um proximo, escrevo sobre a educaçao

Nota: pra quem ler esse artigo sobre Mondrian que saiba que não se deve tomar como uma fonte de pesquisa, embora tenha sido baseado em bibliografias que vão desde F. GULLAR, G.C. ARGAN, G. RICKEY, F. ALBERA, entre outros. Agora, historia da arte é aprendido nos livros - não em blogs ou no google.

San disse...

Muitas vezes uma imagem diz mais que...Bah! que clichê demais!

Enfim, como uma rosa numa cama num sábado à noite...

Anônimo disse...

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