quinta-feira, novembro 13, 2008

O teatro, o cinema, e o teatrocinema; tudo se perde ou ganha no final do espetáculo (a peça bloguiana de Gerald Thomas via IG ao vivo no Sesc)



Kepler o cão que ofende mulheres - uma atriz encoleirada é subjulgada por algum homem idiota, o mesmo que vai para as guerras, o mesmo que fez o Cubismo violento contra as guerras, o mesmo que botou Joana D´arc na fogueira ou mutilou alguma africana na genitália. É esse possivelmente a razão extraída da peça que vivi e vivenciei indiretamente ao longo dos últimos meses na companhia intra-pessoal de Gerald Thomas, e como resultado a encenação teatral, ou talvez um ensaio video gravado e transmitido ao vivo pela internet para um público blogueiro e usuário da rede.

Arte e vida, arte e guerra. É o homem quem traça os inícios e infinitos finitos. Há quem busque um novo renascimento ou o fim de tudo, talvez na queda das torres do WTC, quando os terroristas árabes promoveram uma "intervenção urbana conceitual" Land Art, pois sim, não fosse pela barbárie de tantas vidas despedaçadas, dos mortos e da cidade toda, não fosse por isso, o efeito dessa ação seria considerado um evento objeto artístico grandioso. De repente a arte morreu e ficou lá, dentre os escombros do WTC, nada depois daquilo faria sentido - o teatro e o cinema não pode mais chocar ou impressionar. Uma impressão...
O teatro no teatro como o Impressionismo

Teatro é vivo e verdadeiro sob um ponto de vista de construção, mais tátil porque simplesmente se está de corpo presente. As sensações visuais são como o Impressionismo. Sim, acho que fica mais fácil entender (pra eu entender), é plen-air como dizem os franceses, as cores, a fumaça, o frio do ar condicionado, o murmurinho da platéia, a posição da cadeira, o cheiro, as vozes do elenco, o som, tudo tem peso, tudo é tangível. Nesse sentido é verdadeiro, sendo mentira em sua mensagem, mas isto é outro papo. O teatro dá a possibilidade de estarmos no mesmo patamar ou plataforma do mundo onírico, como se o sonho estivesse ali em nossa frente, basta dar alguns passos e pronto, qualquer cidadão, feio ou bonito, alto, rico ou idiota pode entrar. É como estar diante do céu mas também do inferno. O público eventualmente pode estar acima do elenco, superior ou observando o plano central, julgando e analisando - o público tem essa impressão. E no cinema todos os lados estão apresentados e desnudados.

O cinema no cinema, como no Cubismo

A obra cinematográfica do ponto de vista da produção e criação é uma mentira, mas ao contrário do teatro, entendo que sua mensagem é verdadeira. Um inverso do outro. Será mesmo? Eu acredito que sim, mas vou dizendo sem pestanejar. O cinema inexiste até a montagem. É nesse estágio que nasce a dinâmica das sequências de cenas, e também os personagens, porque ao contrário no cinema não se faz da experiência ao vivo, mas sim de pedaços ou fragmentos, produzidos aos montes durante as gravações, que depois os montadores juntam tudo, como um quebra-cabeça de imagens, surge então a narrativa, a verdade, a mensagem é construída, a obra enfim é criada. Para o ator, o diretor, antes da montagem é tudo encenação, é o encenar de encenar, ou seja, encena-se a encenação - estranho assim - desde Eisenstein e Vertov, cineastas do período lenista e stalinista da Rússia revolucionária.

Um defendia o cinema verdade de registro (Vertov) outro o cinema intelectual e ficcional (Eisenstein). Vertov vinha da ideologia revolucionária, do chão de fábrica, desconsiderava o cinema como obra de arte superior, mas apenas como reprodutor de imagens (na verdade Maiakovsky que pensava assim e formava uma corrente junto com Vertov e outros). Apesar de Eisenstein viver o período bolchevique, vinha ele do teatro (idem Maiakovsky), e essa teatralização de Eisenstein era elemento presente na sua obra de cinema, naquele momento um destaque da indústria da comunicação, sendo grande instrumento do próprio Estado - mais tarde de Stalin seria a gota d´água. Com Kulechov, Eisenstein recriminava o cinema de registro de Vertov (possivelmente precursor de nossos documentários), os cineastas intelectuais (kulechov, Einsenstein) não acreditavam em nenhuma espontaneidade diante das câmeras.

O cinema como o cubismo prima a forma, emite vários pontos de vista num mesmo plano bidimensional - expõe o objeto a dois ou mais posicionamentos contrários, pela técnica e a montagem. Eu vejo teatro como a impressão realista e o cinema como a montagem pictórica. A espontaneidade talvez não exista diante da lente e da luz da câmera, seja num documentário ou numa ficção dramática, a atuação cinematográfica é construída pela marcação técnica, não há muito espaço para inventividade corporal e desconstrução do gesto, é uma perseguição maquinária, bem próximo do construtivismo soviético, até mesmo da arte concreta suíça.

O Teatrocinema da blognovela

O teatro visto por uma tela pequena de computador sujeito às entropias da exibição intra-pessoal (algo que não seja pessoalmente) é como a comunicação diária no blog. Todos são íntimos distantes, sujeitados a uma entropia diária - a mensagem é verdadeira, mas os formatos criados (os nicknames e as técnicas) dentro do blog são falsescas, tal como na produção cinematográfica. Então, por associação, o blog é como o cinema também, mesmo parecendo absurdo. A encenação da peça ao vivo, como num ensaio, era teatro apenas pra quem estava na platéia, o cenário, elenco, a fumaça, a interação e o peso dos corpos e sons. Ao público em casa, era também uma peça teatralizada porque não houvera montagem anterior, seguia-se obviamente um roteiro, mas a montagem era ao vivo (o plen-air impressionista) - portanto teatro. E a criação foi com base teatral, Gerald é homem do teatro, e sua cia. faz parte do universo teatral. Nossa visão se deslocava na tela do computador procurando pontos focais, sendo que em determinados momentos a tela se escurecia, um corte cinematográfico e teatral.

É o teatrocinema ou nenhum dos dois...de repente não é uma coisa ou outra, é apenas uma obra audiovisual, como uma vídeo arte ou "Performance Body Art" que poderia ser reproduzida em paredes de museus ou encostas de morros, laterais de prédios, projetada por grandes projetores interferindo na paisagem, o que aumentaria a percepção e ao mesmo tempo provocaria outras interferências perceptivas em relação ao tema. Afinal, as idéias ou conceitos eram mais importantes que o formato, o que deveria ser relevante era a mensagem. E foi justamente a mensagem que prevaleceu e sendo assim funcionou, não importando quão complexa a linguagem.

Quando no cinema o diretor filma várias tomadas da mesma atriz, de costa, perfil, diagonal, de cima, com mão no joelho, no cabelo, boca entraberta, etc e etc, busca-se o excesso da imagem e o detalhismo para construção rica na tela grande. O teatro funciona melhor no minimalismo pra causar a impressão, ao mesmo tempo que limpa a imagem deixando o objeto exposto de forma nua. A atriz no cinema perde a espontaneidade é um robô humano seguindo as ordens do diretor e no teatro essa mesma atriz seria um fantoche maleável, solto e livre, com um toque mágico, um sopro de liberdade no palco. No cinema essa personagem ganha vida com a luz da montagem, na telona é o que importa, o objetivo final, a estória existe e mesmo com todo processo racional, por vias da emoção atinge o subjetivo do público. Há ganhos e perdas, seja qual for o meio, a importância de renovar é relevante. Vivemos uma época que se pode pensar - tudo já foi criado e não nos sobrou espaços para mais nada. A ousadia não foi repelida e nossa capacidade talvez ainda exista. Tem que se quebrar espelhos sem medo das pragas do azar e fuçar os escombros do mundo arruinado.

Um comentário:

San disse...

Um dia, um homem [o homem] foi quem definiu o final do meu infinito. Mas como mulher [lê-se teimosa], eu lhe pergunto, você realmente acredita que o finito acabou com o infinito?

Me lembro qd assistimos a peça do GT no Sesc Pinheiros...:)