segunda-feira, junho 18, 2007

Estórias - Ato um

Dois homens, numa sala rústica, de puro cimento, frio, sem acabamento, iluminados de dia por uma janeleta, quando o Sol surge, e a noite, quando a Lua renasce, dois homens em trajes brancos, parecem fantasmas conversam, entre si:

_ Não lembro mais meu nome...
_ É, eu lembro
_ Pode me dizer então?
_ Pra quê quer saber?
_ Ajudaria entender essa situação.
_ A nossa, é nenhuma.
_ Nenhuma, mas vivemos.
_ É Tomé.
_ O que?
_ Tomé, seu nome.
_ claro...que não - se fosse Tomé lembraria certamente. Não me sinto um Tomé.
_Pois, sinta-se, é um Tomé. E eu sou Pedro.
_nomes bíblicos - porque nos foram dados nomes assim, somos desgraçados por isso.
_ Ele te chamou de Tomé.
_ Ele quem? Fale coisa com coisa.
_ O homem que nos trancou, vestido de branco.
_ Também estamos vestidos de branco, talvez, nós mesmos nos trancamos aqui.
_Como sabe que isso é branco. Isso é uma imundice. A luz foge daqui, vivemos nas trevas.
_ Mas eles nos dão comida.
_ Agora então você acredita.
_ Em que?
_Neles, você acabou de falar.
_ Falei, mas foi súbito, entende.
_ Não. O prato passa por baixo da porta, como prisioneiros. E vem sempre a mesma comida de porcos, odeio.
_ Porque você é assim, tão ríspido.
_Alguém aqui precisa se manifestar.
_ Para as paredes?
_ Não seja ironico comigo, ou te dou um pontapé na cara.
_ Faria isso comigo, seu unico amigo, ouvinte, nas trevas.
_Não, acho que não, mas é que você me irrita com sua conformidade.
_Somos imutáveis, Tomé.
_Pedro.
_ O que foi?
_ Não idiota, Pedro sou eu.
_ Eu sei, ja me disse.
_ Você bagunça tudo, até o que é evidente.
_Me diga - de que adianta nomes, se nas trevas somos nada. Só temos a nós mesmos.
_ Não foi tu mesmo que disse a pouco que talvez ajudaria.
_ Tomé, Tomé.
_Sou PEDRO, já disse, seu asno.
_ calma, falo comigo, não consigo.
_ você é um maluco.
_ De fato, por isso nos prendem.
_ Ta vendo, você acredita neles.
_ Sempre há mais alguém. O mundo é grande.
_ Como sabe, estamos aqui por Eras.
_você contou o tempo?
_ pelo tamanho de nossos cabelos, barba, pelas dores nos dentes, pelas estações do ano, pelas goteiras das paredes cinzentas e gélidas, pela quantidade de resfriados que pegamos nesse iceberg de concreto, pelos arranhões no chão, pelos gritos e uivos desesperosos, pelo choro de impotência...
_Pare...
_Porque, tem medo de saber a verdade, preferes teu mundo imaginário?
_Sim, é muito melhor.
_ você bem sabe, que é tudo falso. E você chora toda madrugada, por que não podes matar-se.
_Não?
_Quem é você, e eu?
_ Estamos confusos, repetitivos, vivendo personagens
_Ou falamos com nossas sombras.
_Sombras na escuridão.
_Sinal de luz, amigo, até mesmo aqui, a luz penetra.
_E porque não nos salva?
_Não merecemos?
_E merecemos isso.
_Não me respondeu, teu sonhador bastardo.
_ O que amigo?
_Porque não "te matas, a ti mesmo?"
_Como deixaria ti, sozinho nesse inferno.
_Então você tem consciência?
_Sim, eles que não.

Pablo Montevideu

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