terça-feira, maio 29, 2007

estórias

Era um menino; é o que se pode desenvolver, desde sua nascente até a desembocada fical, num outro mar qualquer. O menino sempre fora desde sempre, alguém, um ninguém, em tua humilde visão desconexa do mundo. Passara dias, todos eles, perguntando para si, sobre si, noutro de si mesmo, questões sobre as questões, quais estas sequer ele tinha conhecimento ou consciência do que perguntara, a teu reflexo do espelho.

Filho de pai e mãe vivos, durante toda infância e assim por longo tempo da vida jovem e depois adulta. Tinha tamanha memória, pois, era um ultraje lembrar dos momentos mais longíquos quando ainda era amamentado. Verdade, ele podia lembrar do tempo que mamava em sua mãe, teu leite, teu pedaço da herança materna, que o tinha por direito universal; mamou assim por anos, um recordista.

Enredado em berço de aço, sempre assim, cuidadosamente protegido das mazelas de todo um mundo desconhecido, cresceu, envidrado, bem afastado das temíveis coisas, inexistentes em sua realidade solitária. Passava-se os dias em brincadeiras por demais estranhas, dum tempo que não presente estava nos livros de crianças, cantigas e memórias de avós ou recordações de fotografias em preto e branco. Tinha sim, alguns amigos, moravam do lado seu, apenas separados por um muro d`palmo de distância. A noite, parecia ser todos eles, irmãos. O menino tivera uma só - irmã menor, mas era como os amigos fossem também. Aquele muro era apenas um teco de bolo, cuja massa fina dissolvia - não era importante.

Tivera pai e mãe em toda vida de menino. Presente estavam, a mãe, cuidadosa, zelosa, educadora, rígida pouco, brincalhona, despojada. Pai afastado, estranho, autoritário, arrogante, costumeiro de impor padrões, permanentes, duros como rocha velha, nem o vento ou a chuva podem rachar. Havia um medo em toda casa, uma prisão sem grades - isso soa um clichê gramático barato, mas assim foi-se realmente.

Além do mais, não viu coisa boa, viu-se sim, brigas dentro e fora, discussões marcantes, casa toda quebrada, igual tua alma, traumas. Talvez por isso seja, já na posterioridade da idade, um Alguém amargo, frio, contudo sensível, fora do social, sente-se doutro lado do mundo, na faixa de uma divisa de humanidade e não humanidade.

Sinal disto é sua incompreensão, imensidade duvidosa, desintonias, fingiu, não viveu, ser o que não foi, é, durante tempos - aprendeu sozinho na virtualidade, quem é, através da desfragmentação de si, libertação de todos os teus bichos, dele, como num zoológico com portões escancarados e as feras aos urros e berros se esvaindo pelas cidades, campos, animalescos, donas dos mundos deles - irracionais.

Irracional foi-te durante a menenince, comparada agora como numa noutra dimensão. Para o "não mais menino" - a infância não pertence a vida adulta - o passado que passara e continua passando permanentemente é extra dimensional. E não acaba jamais o desassossego.

Pablo Montevideu

4 comentários:

Anônimo disse...

Há quem leia o jornal todos dias. Eu procuro saber se hoje vc escreveu o que vai na alma. Obrigada

Anônimo disse...

Gosto do seu blog,acho que escreve lindamente...Parabéns!!

Anônimo disse...

Muito lindo, complexo como só vc é. Sou sua fã, por tempos já.

maria disse...

Tens uma maneira de escrever muito boa. Parabéns