quarta-feira, abril 30, 2008

Meu naufrágio


Tanto mar. Tudo parecia até pouco atrás, tranquilo. Mas eu estava errado. Minha vida corria sem rumo, já havia perdido meu caminho pois essa maldita bússola não funciona como outrora, teus pontos cardeais brincam todo instante. Imaginei-me cego e não exergar realidades. Acreditei no Norte como uma criança. Tanto mar, a vida passou e vou naufragando - as águas nervosas penetram, por mais de tempos. A velhice é um naufrágio, a terra começa chamar-te para as profundezas. Imaginei esse momento por tantos mares que naveguei. De repente, não era mais isso, eu estava certo de um destino qualquer, estalei a vela pros ventos úmidos decidirem por mim - não essa morte idiota, estúpida. Um mar qualquer assim me derrotar. Por quantas vezes eu recorri ao fim, mas não mais e justo agora munido de uma esperança contrária aos meus reais pensamentos - estou naufragando por décadas e não percebi, não dá pra acreditar. Clamei pela morte, pensava que ela nunca me escutara esses anos todos e esperou me portar à bordo dessa embarcação, deixar-me recuperar os ânimos, eu que por tantos anos desanimei - estou naufragando e vejo-me estendido nesse mar, meu naufrágio como espetáculo - desses de arrancar aplausos. Era tudo que sempre busquei, em vida foi assim - aplausos e gritos e admirações. O espetáculo não veio em vida, veio na morte, bem agora, por desavença ou má sorte, bem no instante que o vento frio da escuridão arrepia minha espinha. Já não sei se morto já sou, porque troco os verbos e confundo os tempos - melhor não raciocinar mais. A norma culta fica aos anjos todos, repletos de sabedoria, falam todas as línguas e sexos, que se misture pretéritos e futuros, estou naufragando, de nada adianta. Já fazia planos, sim, eu que chorei pelo fim, justo agora justo, fazia sonhos e também cultivava desejos - tudo em vão, porque me enganei. A morte se fez de surda, se fez, me enganei. Estou naufragando, águas trêmulas e audaciosas, me invadem. A velhice é um naufrágio pra dentro de si, pra solidão. O corpo não reage diante da gravidade e recolhe-se cada dia mais. Curvando a coluna, arcando-se feito um caramujo enquanto os outros abandonam o capitão - é de repugnância e temor, porque a velhice é nada além do que um espelho - o naufrágio de todos; de qualquer um. E teu, mas nesse momento. É somente meu. (na tela - Naufrágio de Turner)

Um comentário:

Anônimo disse...

Tao lindo! Tao triste
especialmente hoje com o Hanon morto.
LOVE
Gerald